texto: João Marcos Veiga. Fotos: divulgação
O Cine Glauber Rocha, na Praça Castro Alves, no centro de Salvador (BA), recebeu na última terça, 20 de setembro, pré-estreia do filme “Desconectados”. Em meio à plateia estavam alunos e professores da disciplina Educação e Pandemia, ministrada pelo professor e pesquisador Nelson Pretto. A exibição, que contou com roda de debate com a presença de realizadores do longa, também integrou as celebrações dos 50 anos do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFBA.
“Desconectados” joga luz exatamente sobre o imenso desafio para sujeitos da Educação em meio à crise sanitária causada pela COVID-19. Paulo Saldaña, jornalista que assina o documentário junto a Pedro Ladeira e Ana Graziela Aguiar, conta que por 6 meses eles acompanharam famílias, alunos e professores de escolas públicas do Distrito Federal, na cidade satélite de Sobradinho - as filmagens ocorreram tanto no período de interrupção de aulas, marcado por tentativas de implementação de um ensino remoto, quanto na retomada das atividades presenciais.
Saldaña relembra que a desigualdade social e tecnológica ficaram evidentes. Mesmo em zonas rurais os celulares estavam presentes, mas com aparelhos precários, sem condições para se adequarem a plataformas indicadas por sistemas de ensino, com dificuldade de acesso à internet, gastos com pacote de dados e necessidade de deslocamento a pontos de melhor sinal. Na prática, todos ficaram desconectados. “A gente percebe no filme um escalonamento de problemas. Mesmo depois de um ano de escolas fechadas, houve uma dificuldade muito grande de ter um tipo de proposta educacional adequada à realidade de alunos e famílias”, avalia.
Imagem: Os diretores Paulo Saldaña, Pedro Ladeira e Ana Graziela Aguiar
Para ele, as desigualdades certamente se ampliaram, mas não só por uma questão de conectividade. A partir do momento em que a escola foi fechada, rompeu-se toda uma rede de relações simbólicas e de convívio no dia-a-dia. “Isso criou grandes dificuldades para essas famílias, que já estão isoladas de bens culturais e imateriais. Elas ficaram muito mais isoladas por não terem as escolas como esse espaço de troca de experiências.”
Nelson Pretto diz que o filme chamou a atenção pelo fato daquela realidade ocorrer no Distrito Federal. “Imagina no resto do país?” Mas a despeito de terminologias, como ensino remoto e híbrido, o pesquisador ressalta que o que aconteceu nesses últimos dois anos não pode ser considerada “educação a distância”. “O que se fez foi uma aproximação no sentido de viabilizar algum tipo de aproximação entre alunos e professores durante o período de confinamento. A partir disso, ele ressalta que existe um desafio duplo: continuar povoando as redes, mas essencialmente recuperar a presença física nos espaços educacionais, nas escolas, no ensino básico e nas universidades. “Não podemos pensar em reduzir a Educação a ações que aconteçam de forma remota e a um debate de deficit de aprendizagem". Pretto também pontua a apropriação da educação pública por plataformas como Google e Microsoft, que passaram a ocupar a centralidade dos processos do ponto de vista tecnológico.
O longa-metragem foi produzido pela TV Folha em parceria com o Instituto República. Jornalista do veículo, Paulo Saldaña cobriu intensamente a pauta da Educação no período. “A gente tem um primeiro agravante que é uma pandemia com um MEC e gestão federal muito ausentes. Não teve uma coordenação federal que permitisse um acesso a ensino remoto ou mesmo de aproximação com as famílias." Soma-se a isso, segundo ele, a ausência de políticas públicas, cortes de orçamento e redução de investimento federal nos níveis estaduais e municipais.
Sem que a Educação tivesse sido colocada como prioridade, quando enfim as aulas foram retomadas, isso não se deu com planejamento, afetando questões de transporte e alimentação. “Junto a dificuldades acumuladas, de descaso, o próprio diagnóstico da pandemia ainda é muito precário”, sem dados precisos de matrícula e evasão, por exemplo. “Chegamos aqui com muito mais dúvidas”, comenta.
Para Nelson Pretto, o filme é muito rico e configura-se como “um espaço de reflexão para alunos e professores no sentido de compreender o quanto a educação precisa se transformar para enfrentar esse desafio que vem pela frente”, observa. Será preciso, para o pesquisador da ANPEd, retomar a própria questão do direito à educação.
Além das pré-estreias, "Desconectados" foi selecionado para o Festival Internacional de Cinema de Brasília e contará com sessões de 24 a 29 de setembro. Após isso, entrará em circuito de exibição nos cinemas em outubro e posteriormente estará disponível online.