IV Encontro FINEDUCA
CARTA DE SÃO PAULO
Os associados da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação, reunidos em Assembléia, no dia 22 de julho de 2016, durante o IV Encontro FINEDUCA, considerando a conjuntura nacional de ameaça à democracia, ao estado de Direito e à educação pública vêm a público expressar sua preocupação com as medidas adotadas pelo atual governo federal, que colocam em risco conquistas importantes para um projeto de soberania nacional e de cidadania efetiva no Brasil. O documento do PMDB “Uma ponte para o futuro” apresentado como proposta pelo governo ilegítimo e as decisões já tomadas pelo atual governo federal explicitam uma mudança radical e de retrocesso em relação às conquistas sociais.
Consideramos as Propostas de Emenda Constitucional nº 241/2016, que cria um novo regime fiscal e propõe o congelamento de gastos públicos nos patamares de 2015, representando na prática, a desvinculação de recursos para a Educação e a de nº 257/2016, que aniquila direitos trabalhistas, como uma afronta à história das políticas sociais brasileiras, e exemplos da ofensa à dignidade social.
Na área da Educação, o PNE 2014/2024 traduz compromisso com a expansão quantitativa e qualitativa dos sistemas educacionais, por meio de duas diretrizes construídas para a garantia do direito à educação no Brasil: 1) a meta 20, que determina a ampliação de recursos para educação tendo como referência o crescimento dos investimentos em relação ao PIB brasileiro; 2) a garantia de uma educação pública, gratuita, de qualidade, laica e inclusiva, que garanta a gestão democrática e a diversidade, o que exige condições para a construção e consolidação de um Sistema Nacional de Educação, que respeite o diálogo democrático e plural com os diferentes movimentos sociais e sindicais, bem como com as esferas públicas que o compõem.
No entanto, o corte dos recursos do MEC associado à queda na receita de impostos representa um risco eminente à efetivação da meta 20 e neste contexto, o descumprimento da Lei na protelação da implantação do CAQi é inaceitável.
No plano mais amplo de implementação do PNE, cabe destacar que a política econômica centrada no ajuste fiscal e no cumprimento das metas de superávit primário inviabiliza o cumprimento de qualquer meta do PNE. Mas, mesmo assim, constatam-se, em todo o país, a ampliação do desemprego e da inadimplência decorrentes da crise econômica, sendo o setor financeiro o único que apresenta lucros exorbitantes.
Soma-se a esse cenário os efeitos perversos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF- LC nº 101/2000) nos investimentos sociais. A LRF limita e criminaliza o gasto com pessoal e impede a garantia da qualidade dos serviços públicos. Em nossa visão, deve ser retirado o limite de gastos com pessoal das áreas sociais ou alterado, pelo menos para 80% da Receita Corrente Líquida.
Como parte da nova compreensão dos caminhos de desenvolvimento nacional, o controle político e ideológico da formação e da informação, bem como a criminalização de qualquer manifestação pública, em especial, dos movimentos do campo, expressam o controle, que o lema “ordem e progresso” impõe.
No que nos diz respeito, a proposta de "escola sem partido" pretende garantir sua ideologia discriminatória, atendendo ao desejo de um pensamento único – obediente e silencioso – e a proposta de um currículo único, por meio da Base Nacional Comum Curricular e da manutenção de exames nacionais, que estimulam o ranqueamento e a adoção de políticas de gratificação aos professores por meio de bônus, a cada dia vem se tornando mais evidente. Este tratamento estanque, dado aos exames centrados em resultados, tem fomentado a lógica de uma padronização do currículo e da formação dos professores, além de alimentar diferentes formas de privatização do ensino, especialmente nesse caso, por meio da venda de “sistemas privados de ensino” (material didático, assessorias, formação e elaboração de currículos), dentre outras ações que vêm sendo realizadas em municípios e estados.
Alertamos ainda para o crescimento de propostas relativas à transferência das escolas públicas para entidades privadas, que já vêm acontecendo em vários estados brasileiros, envolvendo até, a transferência de escolas para a polícia militar. Ao lado, constata-se o crescimento do aporte de recursos financeiros públicos destinados às escolas privadas, em especial via FIES e ProUni, sem nenhum controle em relação à qualidade de ensino oferecida favorecendo claramente a mercantilização da educação.
Por outro lado, constatamos que a defesa do ensino público laico, bem como, a discussão sobre as questões de gênero e dos direitos sexuais e reprodutivos vêm sendo, sistematicamente, excluídos das propostas e planos educacionais.
Frente a este cenário, a FINEDUCA reafirma seu compromisso com a defesa da escola pública de qualidade, gratuita, laica, estatal e democrática para todos os brasileiros, entendendo ser urgente:
- A preservação dos gastos educacionais frente aos cortes de recursos, pois a melhor forma de sobreviver à crise é garantir, durante o período recessivo, a possibilidade de que crianças e jovens tenham acesso a uma educação de qualidade;
- A defesa de 10% do PIB para a Educação Pública até 2014 e a implantação do CAQi já, e do CAQ até 2020;
- A proposição de orientações aos Planos Plurianuais, às Leis de Diretrizes Orçamentárias e às Leis Orçamentárias Anuais, dos diferentes entes da federação de forma a incluir e atingir as metas do PNE-2014-2024, em especial a meta 20;
- A proposição da ampliação das fontes de recursos com justiça tributária, cobrando de quem não paga tributos no Brasil, ou seja, os mais ricos, entre elas: por meio da regulamentação do IGF; da ampliação das alíquotas do IR para os mais ricos (que hoje pagam a mesma alíquota que a classe média); ampliar as alíquotas máximas do ITCD (que, hoje, é de, no máximo, 8%, sendo que nos países ricos essa alíquota é superior a 40%);
- A garantia de publicidade e de transparência de todos os mecanismos de repasse de recursos públicos a instituições privadas, em especial, os convênios, que têm operado na oferta de educação infantil, educação especial, na educação de jovens e adultos, e no ensino superior;
- A luta pela efetiva implantação do Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN), das diretrizes de carreira nacional para os profissionais de educação e das condições de trabalho como parte do necessário tripé formação, salário e carreira na valorização desses profissionais;
- A reafirmação e manutenção do ingresso por concurso público para atuação na educação pública, rejeitando, assim, uma política de exames de avaliação dos professores que ameace a estabilidade e a autonomia do magistério;
- O desenvolvimento de experiências de avaliação participativa na educação, conduzidas pelos profissionais da educação, pelos estudantes e pelos pais, em contrapartida a processos externos de avaliação estandartizada e com foco exclusivo no rendimento escolar dos alunos;
- O apoio aos movimentos dos estudantes secundaristas de ocupação de escolas públicas visando à construção e implementação de novo projeto educacional;
- A defesa da gestão democrática da educação, com envolvimento e assessoria efetiva para ampliar a participação popular; na luta contra o desmonte do Fórum Nacional de Educação, que sem assessoria efetiva, passa a ter inviabilizadas as suas funções, em especial no preparo da realização da CONAE 2018, antecedida das CONAEs estaduais e municipais.
- O fortalecimento do estudo e discussão da temática do Financiamento da educação nos cursos de Formação de Professores;
- O compromisso de interlocução com outros órgãos (MPs/TCs) visando a sua maior participação e contribuição nas ações, em especial sobre o PNE;
- O fortalecimento dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB, prevendo formação permanente dos conselheiros.
Finalmente, entendemos que somente políticas econômicas estruturantes, que impliquem a revisão imediata da política de juros, a ampliação da justiça tributária, o barateamento do crédito, o apoio à reforma agrária e que estimulem o desenvolvimento econômico com foco nas atividades produtivas, e não no setor financeiro, podem garantir soberania nacional e desenvolvimento econômico com redistribuição de renda para o salto educacional quantitativo e qualitativo que a nação exige.
São Paulo, 22 de julho de 2016.