reportagem: João Marcos Veiga
Imagens: Camilla Shaw e João Marcos Veiga
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) recebeu entre os dias 23 e 27 de julho a ANPEd Sul 2018. O 12º encontro de pesquisa em educação da região contou com debates acalorados em torno do tema "Educação, Democracia e Justiça Social", a despeito das temperaturas baixas em Porto Alegre, com ampla participação dos programas, pesquisadores, mestrandos e doutorandos - ao todo foram 1.167 inscritos e mais de 400 trabalhos apresentados.
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Da cerimônias de abertura, com conferência de Gaudêncio Frigotto (UERJ), a de encerramento, com Celi Regina Jardim Pinto (UFRGS), passando por atividades culturais, mesas e atividades nos eixos, o encontro foi permeado por um sentimento de comunhão em torno de uma realização coletiva e resistência em defesa da Educação. A Carta de Porto Alegre (clique aqui para acessar) lida e aprovada ao final, reafirmou "o papel vigilante e propositivo da ANPEd e também sua função mobilizadora e potencializadora de resistências coletivas contra políticas e ações governamentais educacionais que afrontam a ideia democrática de educação [...]"
Uma das respostas mais potentes do encontro neste sentido foi a valorização do caráter coletivo e participativo, que permeou todas as etapas de preparação e realização da reunião, visando ações de solidariedade para fortalecer diferentes frentes da pós-graduação. "As nossas entidades e universidades enfrentam uma situação de dificuldades frente às limitações econômicas, além de muitas demandas na vida acadêmica e política. Para enfrentar isso, adotamos uma método participativo de organização. E isso nos mostrou a importância das redes. E foi isso que levamos para o Fórum dos Programas, de avançar em redes de solidariedade e articulação entre os programas da região, em nível nacional e com outros espaços, como o Fórum dos Discentes, assim como a formação continuada dos professores que estão na Educação Básica", afirmou Maria Beatriz Luce (UFRGS), coordenadora local da ANPEd Sul 2018.
Duas ações desta atual edição mostram o cuidado e envolvimento da ANPEd Sul com outras frentes da pós-graduação, estimuladas pioneiramente na região. A primeira delas é a continuidade do Fórum de Secretárias/os de PPGEds (que em 2017 foi expandido para o encontro nacional) e o I Fórum de Discentes de PPGEds da região. Para Daniel Bruno Momoli, integrante do grupo, o fórum parte da premissa de que, se o encontro discute a pós-graduação, é importante também ter a perspectiva dos discentes, não só dos docentes. "Terminamos felizes porque foi um amplo envolvimento, com 23 programas participando ativamente do fórum", comemora. Agora o grupo irá expandir a proposta para a programação da 39ª Renião Nacional, com apoio da ANPEd, além de articular a segunda edição regional em 2020. Para o doutorando, "a formação de um pesquisador se faz na relação direta do discente com docente, na orientação, nas aulas, seminários. Estar neste espaço nos fortalece na ideia de que a formação se dá nesta relação". Clique aqui e acesse carta sobre a realização do Fórum.
A conjunta atual - do golpe de 2016 às políticas retrógradas do atual governo, como a BNCC, a Lei do Teto de Gastos, a reforma do Ensino Médio e da Previdência - foi amplamente analisada e criticada na ANPEd Sul, mas igualmente se destacando o papel da Educação e dos pesquisadores para a superação deste processo. "Ou nós tomamos consciência das questões que nos assolam ou nós seremos dragados. Nós temos que continuar pesquisando pra desvelar isso, mas não apenas isso, mas colocar o pé no barro, defender a democracia e o reestabelecimento do estado democrático de direito em diálogo direto com o povo", afirmou Frigotto. Maria Carmen Silveira Barbosa participou de mesa sobre Educação Básica e acredita nesta mesma perspectiva: "vivemos num momento em que essas disputas estão muito fortes. Tivemos muitos avanços nos anos anteriores e temos que lutar pra coloca-los na ordem do dia. Nós temos documentos validados, temos o PNE, diretrizes importantíssimas, de étnico-raciais a direitos humanos. E nós precisamos aproximar isso dos professoras, das escolas das comunidades pra que isso seja uma demanda e luta de todos", afirmou a professora do PPGEd da UFRGS.
Acolhida na Faculdade de Educação (Faced) e Sala de Atos da universidade, a ANPEd Sul promoveu mesas de debate com ampla participação de público e análises em profundidade em torno de temas como carreira docente, ensino superior e educação básica. Em mesa com a presença de Andréa Gouveia (UFPR), presidente da ANPEd, Gisele Masson, professora do Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), falou sobre a meta do Plano Nacional de Educação de equiparação salarial de professores frente a outras categorias com a mesma formação. "Em geral isso não acontece. É um desafio, principalmente pros munícipios, que são os entes federais mais fragilizados economicamente. Mas em que pese isso, muitos municípios em bom nível econômico seguem não pagando, o que nos mostra o peso da vontade política, de realmente considerar a importância deste profissional, porque ele é o responsável pela formação humana", argumentou.
Em outra mesa disputada, o diretor financeiro da Associação, Mário Azevedo (UEM), analisou os tempos de disputa do Ensino Superior ao lado Danilo Romeu Streck (UNISINOS), Leda Scheibe (UNOESC) e Marilia Costa Morosini (PUCRS). "Foi interessante porque discutimos concepções de universidade, a CRES 2018 (Conferência Regional da Educação Superior da América Latina e Caribe) e duas questões que estão na pauta da educação do país e do mundo, que é a ideia de internacionalização e de transnacionalização, a primeira visando a solidariedade e esta mais marcada pela mercantilização da educação", explicou. Outra frente do encontro foram as reuniões de entidades e temáticas. Joana Célia Passos, professora da UFSC, participou de encontro sobre Ações Afirmativas. "Foi essencial pra conhecermos a experiência das instituições em torno do tema e em especial da UFRGS, além de mostrar a necessidade de se criar uma rede entre as instituições para que possam se auto-afirmar frente a essas políticas."
Para a vice-presidente da Associação pela região Sul, Geovana Lunardi (UDESC), num movimento entre a perspectiva local e do país como um todo, o encontro consolida a relação orgânica entre as regionais e a ANPEd Nacional. Segundo ela, numa ação ascendente da ANPEd Nacional com os encontros regionais, foram articulados no sul frentes como comunicação, site, sistema e aplicativo de programação, disponibilização de materiais e interação, além de apoio estrutural. "Então acho que a gente está conseguindo evoluir pra um formato de evento que articule cada vez mais as regionais com a nacional em termos de política de pós-graduação e educação em vários níveis."
O Sul segue uma tradição iniciada ainda na década de 90 de apoio entre os programas de pós-graduação da região, reconhecendo pesquisadores de trajetória destacada nas últimas décadas e incentivando programas, estudantes e profissionais que se iniciam na área. Altair Fávero, professor da Universidade de Passo Fundo, instituição comunitária, já participa do encontro há oito edições. "Esse é sem dúvida o grande encontro da região sul. E considero que a organização foi muito pertinente na escolha do tema, pro contexto que o Brasil está vivendo e em especial pra Educação." Já Raphael Cardoso, aluno do mestrado da UFPR, trouxe sua primeira comunicação oral, abordando a questão da acessibilidade nas escolas públicas das capitais do Brasil. "É um desafio muito grande. Nesse ritmo, até 2024 nem metade das escolas terão essa acessibilidade garantida por lei. É um desafio que eu mesmo enfrento desse direito e autonomia", afirma o pesquisador e cadeirante.
Mais do que atividades de entretenimento, a programação cultural da ANPEd Sul 2018 caminhou no sentido de alinhar as diferentes perspectivas da Educação e das artes - de formação, ação política, social e de comunhão. Exemplo disso foi a belíssima apresentação na abertura da Orquestra Villa-Lobos, que realiza trabalho social e musical na Vila Mapa da capital gaúcha, com envolvimento de professores da UFRGS, o grupo de percussão corporal UPA!, que se apresentou no encerramento, e a peça "Eu não sou macaco", solo da atriz e professora Dedy Ricardo, ex-aluna do PPEd da UFRGS. Como professora da rede municipal, ela desenvolve disciplina de teatro e cultura negra junto aos alunos. "Meu trabalho é instrumentalizar alunos e alunas da periferia pra discutirem essas questões e também pra reagirem e expressarem as relações de racismo que perpassam a vida dessas pessoas que trabalho", conta. Já na peça apresentada na ANPEd Sul, ela recorre a passagens históricas, como a Revolta da Chibata, e casos recentes, como de Amarildo, para expor com forte caráter teatral, musical e social o genocídio que ocorre diariamente com negros e pobres. "São 83 jovens mortos diariamente. Imagine esses corpos enfileirados lado a lado", relembra a professora, atriz e cantora, que segue acreditando na Educação como via de transformação dessa realidade.
A próxima regional Sul, a partir de reunião do FORPREd da região, será realizada na cidade de Blumenal (SC) em 2020.
A regionais da ANPEd seguem em 2018 com próximas etapas no Centro-Oeste, na cidade de Cáceres (MT) em outubro. A regional Nordeste ainda tem inscrições e submissões abertas até 20 de agosto. Siga acompanhando notícias e coberturas pelo portal da ANPEd e em nossas redes sociais.