por João Marcos Veiga
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) encerra neste sábado (27) sua 71ª Reunião Anual, com o tema Ciência e Inovação nas Fronteiras da Diversidade e do Desenvolvimento Social. O contexto atual não poderia ser mais preocupante para a ciência, tendo em vista a posição da presidência da República e de ministérios estratégicos de negarem dados oficiais, desvinculando deliberadamente o papel da pesquisa para políticas públicas em áreas que vão da liberação de agrotóxicos ao enfrentamento do desmatamento e consumo de drogas. Somado aos cortes no orçamento de ciência e tecnologia da ordem 40% apenas neste ano, o desprestígio da produção científica nacional e a ofensa pessoal direta - como no caso do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e de seu presidente - colocam a pesquisa brasileira num quadro crítico. Valorizar e defender nossa ciência, a despeito de dificuldades históricas, se faz mais necessário do que nunca neste momento.
A anfitriã do encontro foi a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), instituição que completa 40 de federalização e uma trajetória de imensurável contribuição para a região pantaneira, com unidades em todo estado - hoje são 116 cursos de graduação e 68 mestrados e doutorados, já tendo se formado ali mais de 70 mil profissionais. Recentemente o reitor Marcelo Turine anunciou em audiência pública que a universidade pode paralisar suas atividades em setembro, devido a bloqueios que chegam a 80 milhões de reais, comprometendo o fornecimento de luz e água e toda uma estrutura a serviço de alunos, professores, funcionários e da própria comunidade de Campo Grande e do estado. Ainda assim, o campus da Cidade Morena recebeu com grande qualidade a reunião da SBPC, - com mais de 400 monitores e voluntários na organização - ofertando uma ampla programação científica, com apresentações e debates com prestigiados pesquisadores brasileiros e estrangeiros, atividades culturais e um imenso pavilhão com laboratórios móveis, estandes de agências, instituições, fundações e entidades de pesquisa - o entusiasmo de milhares de estudantes presentes diariamente nos corredores do ExpoT&C reafirmou a pujança da pesquisa nacional e como ela pode ser cativante para o futuro de jovens, precisando, para tal, de reconhecimento e investimento.
Logo na abertura do encontro, milhares de pessoas celebraram a natureza, a cultura e a tradição e da região, com destaque para a guarânia e a diversidade pantaneira. Com representantes do Ministério da Educação e do MCTIC na mesa de autoridades, o tom também foi de críticas ao atual governo e de defesa de respeito à ciência e de recursos à pesquisa. Ildeu de Castro, presidente da SBPC, apontou o papel essencial da ciência e tecnologia para a redução de desigualdades e planejamento de futuro para o país, tendo no momento a soberania nacional comprometida, com estrangulamento da universidade pública e de agências como o CNPq. Luiz Davidovich, presidente da ABC, lembrou que ciência é investimento, não gasto, apontando um contexto que vai de falta de recursos de infraestrutura a bolsas, mas também uma preocupação com atitudes de anti-ciência, a exemplo dos ataques ao INPE (foi lido e entregue um manifesto de desagravo sobre a questão na solenidade). Flávia Calé, presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduandos, foi veemente em afirmar que o desestímulo vivido por jovens pesquisadores, com a própria universidade, alunos e professores tidos como inimigos pela presidência da república. Ao final, o auditório Glauce Rocha, lotado contou com um show surpresa de Almir Sater, violeiro que recebeu posteriormente homenagem e título de doutor honoris causa pela universidade.
Educação
Como certa vez escreveu outro homenageado pela SBPC, o poeta Manoel de Barros: “a ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá, mas não pode medir seus encantos”. Reconhecer outros saberes e sua importância para a sociedade para além das hard science também fez parte das preocupações do encontro. Ao passo que 90% da população brasileira não consegue lembrar o nome de um único cientista e, quando tal, limita-se a citar pesquisadores de áreas como astronomia e biologia - como indicado pela Pesquisa sobre Percepção da Ciência, amplo levantamento apresentado no encontro -, como ficam as Ciências Sociais e Humanas? Apesar de ser este o campo do pesquisador brasileiro mais citado e reconhecido no mundo, o educador Paulo Freire, cientistas sociais ainda não recebem o devido reconhecimento. Por isso a importância das programações SBPC Afro Indígena e SBPC Educação. A ANPEd como uma das entidades que congregam a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, organizou, no dia 25 de julho (quinta), a mesa que debateu “Pesquisa e Escola Básica: Democracia e Diversidades”, coordenada pela professora doutora Maria Dilnéia Espíndola Fernandes (UFMS), vice-presidente da ANPEd pela região Centro-Oeste, contando com a presença de outras entidades como ABRAPEC e ANPAE na sessão.
No mesmo momento em que representantes do governo federal apresentavam o programa Future-se, como proposta de inovação e solução para a ciência nas escolas, pesquisadores de ciências humanas traziam em outros sessões dados concretos sobre a importância da valorização docente e da consideração de pesquisas e debates com a área para a superação dos problemas estruturais da educação brasileira. Segundo a presidente da ANPEd, Andréa Gouveia Barbosa (UFPR), “o evento da SBPC neste ano de 2019 incorpora um profundo movimento de resistência tanto afirmando a importância da ciência e da contribuição da pesquisa para o desenvolvimento social e a construção do país, quanto marca os debates sobre a necessidade de financiamento para pesquisa nacional. A mesa organizada pela ANPEd durante o evento tem ainda o sentido de reafirmar que a pesquisa na pós-graduação tem intensa relação com a construção de um sistema nacional de educação onde mantenha-se articulação entre educação básica e ensino superior.”