A ANPEd foi aceita como Amicus Curiae no julgamento da nova Política Nacional de Educação Especial. Após a suspensão no dia 01 de dezembro de eficácia do Decreto 10.502/2020 pelo ministro Dias Toffoli, o Plenário do STF julga liminar de Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pelo PSB. Neste contexto, a Associação, como indica o termo em latim, passa a ser reconhecida como instituição designada a fornecer subsídios às decisões dos tribunais, oferecendo embasamento a questões de grande relevância e impacto como esta.
O posicionamento da ANPEd, amparado em pesquisas do Grupo de Trabalho de Educação Especial (GT 15), é contrário ao decreto. Como salienta o argumento do GT 15, além de ter potencial de causar segregação e discriminação entre educandos com e seu deficiência, a proposta desconhece toda uma política construída nos últimos 11 anos. A admissão da ANPEd como Amicus Curiae também levou em consideração as mais de quatro décadas de atuação da entidade na defesa da educação e visibilidade da pesquisa acadêmica da área.
Confira trechos do argumento da ANPEd e do GT 15 sobre o tema:
Durante um longo período havia a tendência a julgar que as demandas da população-alvo da educação especial só poderiam ser atendidas em instituições especializadas. Esta prática influenciou bastante na perpetuação de preconceitos acerca das possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem desse grupo. Nessa perspectiva tivemos uma significativa ampliação do acesso da população-alvo da educação especial ao sistema educacional brasileiro em todos os níveis de ensino com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva. Entre 2009 - 2019 saímos de 639.718 para 1.250.967 matrículas de estudantes população-alvo em educação especial na educação básica. As pesquisas vêm mostrando que mesmo pessoas com deficiências mais severas são capazes de aprender, podendo e devendo ser incluídas nas escolas. Assim, a educação especial na perspectiva inclusiva tem como marca a transversalidade da educação especial em todos os níveis de ensino, da educação da educação infantil ao ensino superior.
O Decreto desmonta a possibilidade de construção de um sistema educacional inclusivo, ao classificar apenas algumas escolas como “regulares inclusivas” e definidas como aquelas “instituições de ensino que oferecem atendimento educacional especializado aos educandos da educação especial em classes regulares, classes especializadas ou salas de recursos”. Isso fere o princípio da política de 2008 na qual a educação especial jamais será substitutiva da educação geral, mas complementar e suplementar colaborando no processo de escolarização da população-alvo da educação especial.
A ideia de existirem escolas “regulares inclusivas” traz algumas limitações que podem impactar o acesso ao sistema escolar: Os alunos da educação especial só poderiam ser matriculados em escolas que já oferecem “atendimento educacional especializado aos educandos”, o que pode limitar as possibilidades de escolha dos alunos e suas famílias. O Decreto, ao delimitar que algumas escolas são “regulares inclusivas”, também induz à ideia de que outras não são, ou seja, podem passar a recusar a matrículas de alunos por se considerarem “inadequadas” a essas crianças, já que não “possuem atendimento educacional especializado”. O argumento da escola pode ser embasado, ainda, em inciso do artigo 3º do Decreto que afirma a “participação de equipe multidisciplinar no processo de decisão da família ou do educando quanto à alternativa educacional mais adequada”, situação que pode constranger a família e a criança a não buscar seu direito de ser matriculado na escola que os interessa; Essa dinâmica leva à possibilidade de que não seja mais possível exigir que a escola busque recursos adequados que a criança necessite, já que não é mais classificada como “regular inclusiva”.
Pesquisas acadêmicas mostram a existência de muitos desafios enfrentados por alunos da educação especial nas escolas comuns, mas mostram também trabalhos magníficos desenvolvidos por professores, nessas mesmas escolas, revelando a ampliação da socialização, participação e acesso ao processo de escolarização. Uma consequência desses trabalhos é o alcance, em número cada vez maior, desses alunos aos níveis mais altos de escolaridade, inclusive, no Ensino Superior.
Da mesma forma, não há garantia de escolarização dentro das instituições especializadas, especialmente às direcionadas aos alunos com deficiência intelectual e múltipla; Pesquisas com adolescentes e adultos que chegam ao Ensino Superior registram que a grande maioria fez sua escolaridade nas escolas comuns.