Encontro no interior do estado promoveu apresentação de 334 trabalhos de toda região, com cerca de 800 pessoas em quatro dias de evento
reportagem: João Marcos Veiga
fotos: Camilla Shaw e João Marcos Veiga
O sol se pondo sobre o rio Paraguai em Cáceres, a Princesinha do Pantanal, compunha não só um belo cenário para a abertura da ANPEd Centro-Oeste 2018. O auditório lotado de pesquisadores e alunos em pleno interior do Mato Grosso refletia um período de expansão, interiorização e descentralização da Educação e, neste momento, de resistência em defesa destas bases. Tal contexto foi esmiuçado com olhar crítico por Luiz Dourado (UFG), que proferiu a conferência de abertura a partir do tema do encontro - Educação e Democracia: desafios e resistências da pós-graduação.
Entre os dais 15 e 18 de outubro, a Universidade Estadual do Mato Grosso (UNEMAT) foi a casa da pós-graduação e pesquisa no Centro-Oeste, com grande empenho do programa local e de toda equipe realizadora. Para Maria Dilnéia Espíndola, vice-presidente da ANPEd pela região, o evento deu a oportunidade para que programas e pesquisadores das capitais se deslocassem para debates no interior, invertendo o movimento mais comum. "Por volta do ano 2000 nós tínhamos apenas cinco ou seis programas no Centro-Oeste. Hoje nós temos 23. "Muitos desses programas cumpriram com o objetivo de ampliar a política de pós-graduação no país com a formação de novos mestres, doutores, num contexto de interiorização", afirma Maria Dilnéia.
Professor da UFG, coordenador de GTs em nível nacional e regional e integrante da diretoria da ANPEd em gestões anteriores, João Ferreira presenciou essa expansão e consolidação de perto. "Cáceres é um exemplo de como um programa se fortalece no interior a ponto de trazer e organizar um evento como este. O Centro-Oeste teve um crescimento quantitativo e também qualitativo, com vários programas da região atingindo a nota 5 na última avaliação da Capes, chegando a sete ou oito programas com essa nota. E a ANPEd tem um papel muito importante nisso, porque ela consegue agregar, permitir intercâmbios entre programas e pesquisadores", afirma Ferreira.
Vice-coordenadora do PPGEd da instituição que hospedou o encontro, Loriege Pessoa Bitencourt acredita que o grande potencial proporcionado pela ANPEd foi o de "colocar pra sociedade que nós existimos, que a UNEMAT existe, possui a pós-graduação em educação e faz uma educação com qualidade. Esse foi o grande diferencial", defende a pesquisadora, que também enaltece a forma com que o evento estimulou vínculos com a própria sociedade cacerense, que se envolveu em áreas como alimentação, transporte, hospedagem e serviços diversos.
Com exatos 40 anos completados em 2018 - assim como a ANPEd - a UNEMAT surgiu em Cáceres e hoje possui unidades em 13 cidades do estado, promovendo a expansão do ensino no Mato Grosso e dando visibilidade aos desafios próprios da região. "A UNEMAT é uma universidade que nasceu no interior. E as nossas necessidades e emergências das pesquisas que surgem aqui são distintas das que surgem nos grandes centros. É isso que nós fazemos aqui. Quando a gente atende comunidades ribeirinhas, quilombolas, uma vasta gama de educação indígena, de educação do campo nós estamos fazemos uma pós-graduação voltada pra questões sociais, que afetam diretamente nossa população nossa terra, nossa gente, e que não é menos importante do que se discute fora daqui", defende Maritza Maldonado, coordenadora local da ANPEd Centro-Oeste 2018, do PPGEd da instituição e natural da cidade Cáceres.
Essa singularidade da pesquisa no Centro-Oeste, sempre em diálogo com a realidade nacional, perpassou os quatro dias de evento, com mesas de debate e 334 trabalhos apresentados, totalizando 634 inscritos e um público superior a 800 pessoas. "Aqui a gente consegue ver como as pesquisas estão se construindo em cada universidade, os discursos, as tendências, em temas como currículo e formação de professores, vendo como isso se faz nas comunidades quilombolas, nas escolas", afirma Bartolina Ramalho (USMS), do GT 21, de Relações Étnico-Raciais. Integrante do mesmo Grupo de Trabalho, Cândida Soares da Costa (UEMT) acredita que os debates mostram que "educar para as relações étnico-raciais significa educar a sociedade para que se estabeleçam relações assentadas em concepções diferentes das que se tem feito até hoje, que tem produzido tanto preconceito, racismo, falta de reconhecimento da importância da população negra", diz a docente, que coordena um núcleo de pesquisa sobre o tema em sua instituição.
Temas centrais das políticas públicas, como Formação de Professores e Educação Infantil, contaram com auditórios lotados ao longo do encontro. Para Celi Correia Neves (UEMS), o evento foi muito importante pra se debater políticas e pautas essenciais pro avanço da área. "Discutir os 10 anos da política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva nos fez constatar desafios e avanços, como a ampliação de matrículas que ocorreu para o acesso da pessoa com deficiência à escola", diz a convidada. Por sua vez, Tiago Duque (UFMS) trouxe ao evento pesquisa relacionando currículo, gênero e sexualidade. "O currículo está em disputa há muito tempo. É preciso entender como grupos dissidentes e subalternos, sem reconhecimento de suas identidades, provocam conservadores e fundamentalistas, o que se reflete nos currículos", explica.
Os encontros regionais da ANPEd se revelam como espaços fecundos não apenas para pesquisadores com trajetória consolidada, mas igualmente para aqueles que estão dando os primeiros passos na pós-graduação. Raquel Lima ingressou no mestrado da UFMT este ano. "Estou começando a entender os sentidos da pesquisa. E foi muito importante as observações que recebi para questões que não tinha me atentado", conta. Para Ana Carolina Costa, mestranda da UFG, o encontro permite ver a diversidade de formas de entender o conhecimento, em seus aspectos de fundamentação teórica e discursos.
Além das apresentações científicas, a ANPEd Centro-Oeste 2018 proporcionou vivências, promoveu atividades culturais, feiras, lançamento de livros e encontros de fóruns e entidades, como FORPREd, FEPAE e ANPAE. O encontro da Associação Brasileira de Currículo (ABdC) ocorreu no âmbito do GT de Currículo. "Esta reunião está relacionada com o fortalecimento de nossos profissionais do campo do currículo, que debatem e investigam políticas públicas em seus estados e municípios, como o contexto de corte de verbas, bolsas e reformas do Ensino Médio e a BNCC - algo que preocupa tanto ANPEd quanto ABdC", afirma Erika Virgínia, coordenadora do PPEd da UFMT.
Para Ruth Pavana, da Universidade Católica Dom Bosco, estar no encontro é, por si só, uma forma de protesto. "Num momento de tamanha adversidade que vive nossa sociedade, mesmo assim, num enorme esforço, as pessoas estão na UNEMAT, estão debatendo, mostrando a potência da educação pública no país. E esse debate certamente terá desdobramentos políticos, pedagógicos muito importantes em todos os lugares pra onde essas pessoas voltarão", pontua.
Avaliando a importância do encontro às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais, num momento dramático para o país, Maria Margarida Machado (UFG) acredita que nossa frágil democracia está ameaçada neste difícil contexto. Mas de forma mais ampla coloca que "a história da ANPEd é um lugar de resistência, de produção de conhecimento. E esse conhecimento só faz sentido se ele nos inquietar, mostrar os problemas a nossa volta e os caminhos para supera-los", defende a ex-presidente da ANPEd.