A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação celebra nesta segunda, 16 de março, 37 anos de fundação. Essas quase quatro décadas de atuação, chegando em 2015 com 213 programas associados e mais de dois mil sócios, refletem o papel da ANPEd de importante interlocução na área. Como destaca a atual presidente da Associação, Prof. Maria Margarida Machado (UFG), essa trajetória pode ser salientada pela participação decisiva nos principais debates que envolvem a política educação, como a luta pela redemocratização do país e da educação, no início de 1980, a elaboração do capítulo da educação na Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as críticas às reformas neoliberais da década de 1990, a consolidação da retomada de processos democráticos e participativos pela via dos congressos de educação e, mais recentemente, das conferências nacionais de educação e na aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE).
Essa atuação política e de estímulo à pesquisa teve início em 1976, momento de constituição da associação por parte de um conjunto de programas de pós-graduação. Porém foi dois anos depois, entre os dias 14 e 16 de março de 1978, que se deu o registro oficial da associação - um momento de pioneirismo e dedicação de seus sócios fundadores em meio ao conturbado contexto de Ditadura Militar. A reunião ocorreu na Fundação Getúlio Vargas (Rio de Janeiro), sob a coordenação de quatro coordenadores de Pós-Graduação em Educação: IESAE/FGV – Maria Julieta Costa Calazans (Coordenadora Geral de Pesquisa do Instituto de Estudos Avançados em Educação da FGV), UFF – Célia Frasão Soares Linhares (Coordenadora da Pós-Graduação), UFRJ – Lia Paixão (Coordenadora da Pós-Graduação) e PUC/RJ – Zélia Domingues Mediano (Coordenadora da Pós-Graduação). Também participaram desta reunião os representantes dos Programas de Pós-Graduação, professores da Pós-Graduação em Educação e pessoas de programas relacionados com a Pós-Graduação, especialmente como convidados. Observa-se que aproximadamente 17 programas de pós se fizerem presentes.
Em entrevista ao portal ANPEd por email, Célia Soares Linhares, que integrou esse momento histórico, relembra essa época de grande apreensão política, da qual a ANPEd foi fruto, mas que também representou uma possibilidade de esperança e união na área. "Lembro-me do empenho em alargar nossa nascente associação, Não tenho dúvidas de que um dos grandes ganhos foi a de termos firmado uma forma associativa em que os membros participantes não era exclusivamente sujeitos jurídicos. Assim, a nossa ANPEd foi constituída por Programas de Pós-graduação, mas também, por pesquisadores, professores e estudantes de nossos cursos", aponta Célia Linhares.
- Confira na sequência a entrevista completa com a Prof.ª Célia Frazão Soares Linhares.
Com um enorme acervo desses 37 anos de atuação, a ANPEd conta com trabalho precioso coordenado pela professora Maria de Lourdes Fávero à frente do Proedes/UFRJ, num projeto de documentação da associação. Parte desse material está sendo disponibilizado gradualmente no portal da ANPEd, como os primeiros boletins da Associação, que relatam exatamente esse momento de fundação da entidade (clique aqui para acessar).
Entrevista com Prof.ª Célia Linhares
Célia Linhares - Sou daquelas que reconhece a relevância das histórias das instituições, de seus funcionamentos e das subjetivações e objetivações que nelas vão ocorrendo. Mas o que me interessa, de um modo especial, é flagrar, em todos esses processos, alguns movimentos instituintes que a percorrem e que podem, em condições especiais, potencializar mudanças, insurgências, com o desenvolvimento de outras configurações, que potencializem os exercícios do diferir, de reinventar, que contribuam para ampliar a vida, sem dogmas, como um campo de experiências que se limitam pelas exigências éticas, estéticas, políticas e cognitivas.
Todos sabemos que a ANPEd foi organizada, em plena vigência da ditadura que procurava consolidar sua Doutrina de Segurança Nacional, num período em que o terror ditatorial já se fazia insuportável, exigindo que fosse implementado um controle cultural e educacional, em que as coerções fossem mascaradas por seduções e manipulações de uma política desenvolvimentista e eficaz que canalizassem os desejos sociais.
Portanto, esses movimentos de rememorar, abrindo-se ao encontro de reminiscências (Benjamin) que possam arejar o vivido, mobilizando-o com outras descobertas e recriação do “aqui agora” pelo impacto dos perigos que nos rondam, necessitam de tempo para pesquisar, para dificultar a vitória dos clichês que comandam os discursos apressados, tão caracterizadores de nossa época.
Como foi o momento de fundação da associação? Qual sua função/papel naquele momento? Que dificuldades tiveram e quais eram as expectativas naquele momento?
É interessante ressaltar que o distanciamento da fundação da ANPEd, como um processo histórico, nos permite, não só a perda de detalhes, mas, paradoxalmente, nos possibilita uma percepção mais nítida do foco de ação que ali se desenrolou sob nossos espanto e revolta.
Então, percebemos, com mais nitidez, as interdependências, ainda que, tensionadas pelos antagonismos em que se embatiam diferentes interesses, submetidos ao primado de uma violência cega e assassina.
Assim, se não podemos precisar o ano, sabemos como o desejo social de desenvolvimento foi tragado pela ditadura, produzindo, desde sua instalação, um aumento da matrícula universitária, mas também sua verticalização. Uma e outra perspectiva estavam entranhadas de uma subserviência ao capitalismo internacional, com um controle norte-americano.
Como já dissemos, anteriormente, se todas as instituições foram saturadas de funcionamentos repressivos, com vigilâncias e alertas crescentes, de modo que, qualquer atitude de descrença ou de contestação à ditadura era punida a ferro, fogo e sangue, não podemos desconhecer o quanto a ditadura também procurava capturar a adesão social, prometendo realizar desejos das classes médias e populares. Escolarização e universidade era um deles.
O governo Médici primou pelo terrorismo de estado, sufocando a sociedade. Geisel, já com o fim do milagre econômico e desenvolvimentista, teve que aprimorar-se num tipo de controle da cultura em geral e, em especial da educação. Em 1975, foi elaborado o I Plano Nacional de Pós-graduação, como uma expressão de controle da Pós-graduação.
Coordenava o Mestrado em Educação da UFF nessa época e, com muitas dificuldades havia obtido o credenciamento da CAPES para nosso Programa. A trava principal se assentava num dos pressupostos de que os investimentos educacionais deveriam evitar a duplicidade de planos, projetos, cursos e ações. No caso, como já havia um Mestrado em Educação funcionando na UFRJ, um segundo na UFF, não deveria ser credenciado.
Sabia muito bem, o nível de violência e crueldade com que as ditaduras “trabalhavam”, no Brasil. As histórias das perseguições do Estado Novo percorreram minha infância e se me afiguravam mais atrozes do que qualquer “bicho papão”. Mas, agora, com pouco mais de 30 anos, voltando dos USA, com o Mestrado em Filosofia e Sociologia da Educação, tive que viver o terror de perder meu irmão, Ruy Frazão Soares, meu ídolo companheiro e adorável no seu ardor patriótico e, sobretudo tão oposto às injustiças que fulminavam e amortalhavam os pobres, que exterminavam os que pensavam e sonhavam com um Brasil, onde coubéssemos todos e todas e, inteiros, com nossos sonhos de liberdade. Ruy tão vivo, tão terno e brilhante, tão invulgar e corajoso é um dos desaparecidos políticos de então. É hoje nome de duas escolas, uma avenida e um tesouro extraordinário de amorosidade solidária e de esperança no Brasil.
Quando participei da reunião, no IESAE/FGV, senti meu coração batendo forte. Fui fagulhada por um outro ânimo. Quando voltei pra casa, já antevia cenários que anunciavam chances de algum alvorecer, abrindo também a universidade.
Lembro que um dos controles da Pós-graduação brasileira passava pelos processos de seleção que tinha uma demanda reprimida e uma crescente atração social. Além disso, a pós-graduação que nasceu pretendendo qualificar os professores universitários não tardou em objetivar a formação de pesquisadores. E que seriam estes pesquisadores?
Desta primeira reunião, também participavam Jacques Velloso, Julieta Calazans, Miguel Arroyo e nos debates foi trazido como modelo dessa associação que ali gestávamos o da Associação de Pós-Graduação de Economia, fundada em 1973, cuja finalidade precípua era a de programar a seleção dos candidatos ao Mestrado em Economia, que assim teriam um controle nacional. Seus sócios constituintes eram os programas institucionais.
Lembro-me do empenho em alargar nossa nascente associação, Não tenho dúvidas de que um dos grandes ganhos foi a de termos firmado uma forma associativa em que os membros participantes não eram exclusivamente sujeitos jurídicos. Assim, a nossa ANPEd foi constituída por Programas de Pós-graduação, mas também, por pesquisadores, professores e estudantes de nossos cursos.
A primeira diretoria eleita foi assim constituída: Presidente Jacques Velloso (UNB), Secretária Executiva, Julieta Calazans (IESAE), Secretária adjunta, Célia Linhares (UFF).
Os maiores problemas, segundo minha percepção e memória, era o da própria autonomia associativa , a começar pela sustentação financeira do seu funcionamento e da realização das reuniões. Mas, os sócios institucionais cumpriam com suas obrigações financeiras, bem como todos nos pesquisadores e estudantes.
Vivíamos isolados, amedrontados, ameaçados e debilitados em nossa capacidade de pensar a educação no Brasil e no mundo, como um processo que urgia por ser radicalizado socialmente, com debates de diferentes ordens e interlocutores, comportando investimentos e experiências criadoras.
Alegrava-nos organizar uma associação disposta em sua própria constituição a potencializar conjunções com programas e colegas em âmbito o mais amplo possível.
Não podemos esquecer que Paulo Freire era proibido, mas que mesmo assim, a pós-graduação brasileira enfrentava proibições e de diferentes maneiras, fazia-se discussões em que suas publicações eram lidas e debatidas, ainda que de forma camuflada. Também estudávamos Foulcault, que veio ao Brasil em 73, Bachelard, Gramsci, entre tantos outros.
Pessoalmente, como secretária adjunta, comecei a organizar um boletim da Pós-graduação em Educação em que socializava a produção das dissertações e, assim íamos construindo uma rede, certamente ainda precária, mas através da qual tínhamos algumas notícias do que se passava nos programas congêneres. Creio que cheguei a editar 2 ou três números. Até a pouco tempo, tinha comigo alguns exemplares destes boletins. Mas, como muitos sabem fui despedaçada por uma tragédia que me fez fazer sucessivas mudanças, muitos papeis se extraviaram.
Hoje a ANPEd é uma associação com quase 40 anos de atividade. Qual a importância dessa história? Tanto para você como para a educação e pesquisa brasileira.
A ANPEd cresceu muito, comprovando a necessidade que dela temos para pensar, como um processo ativo e criador, a educação brasileira.
Temo que tenhamos privilegiado um debate e uma racionalidade que atende mais às comprovações de eficácia curricular do que discutido os problemas pendentes e ainda mal formulados com que o Brasil contemporâneo nos desafia.